Filme retrata a versão do povo Myky sobre os 50 anos de contato com a população não-indígena

antropocena


Autoria: Maykon Cruz Almeida • Bolsista de Jornalismo Científico do LISA
Revisões: Sylvia Caiuby Novaes  • Docente e Fundadora do LISA | Vanessa Munhoz • Comunicação do LISA
Arte/Divulgação: Carlos Eduardo Conceição • Bolsista de Divulgação Cientifica do LISA
Publicação: 02/07/2025


Produção em parceria com coletivo indígena de cinema explicita as transformações advindas do contato com a população não-indígena  

A sessão do projeto AntropoCena do dia 23 de maio de 2025 exibiu o filme Anfitriões há meio século: a versão Myky da história e contou com a participação dos diretores do filme, André Lopes e Typju Mỹky, e das anciãs deste povo, Paatau Mỹky, Kamunu Mỹky e Xinuxi Mỹky. O Laboratório de Imagem e Som em Antropologia (LISA-USP) sediou a estreia do média-metragem, uma notável produção do Coletivo Ijã Mytyli de Cinema Manoki e Myky em coprodução com o próprio LISA.

André Lopes é doutor em Antropologia Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP) e vencedor do Prêmio Tese Destaque USP 2024, na categoria Inovação, com a tese “Ijã Mytyli: Os Manoki e os Mỹky em seus novos caminhos-histórias audiovisuais”. O pesquisador trabalha com os Manokis do Mato Grosso desde 2008 e oferece oficinas de produção audiovisual aos povos indígenas desde 2009. Typju Mỹky é acadêmico, cineasta e liderança Mỹky que tem trabalhado para contar a história dos Manoki e Mỹky por meio da produção audiovisual, o que contribui para o resgate de suas tradições e manutenção de sua cultura e religião.

Iniciado em 2019, o documentário exibido é resultado de um trabalho coletivo e um registro emocional e de luta desse povo. Por meio de um envolvente jogo de imagens, o espectador transita entre presente e passado, entre a atual aldeia Mỹky e imagens de antigas expedições missionárias. Gravado no município de Brasnorte, no noroeste do Estado de Mato Grosso (MT), o filme perpassa e apresenta um longo período de transformações engendradas no território ancestral do povo Mỹky, pelo contato com a população não-indígena em 1971. O filme retrata a luta do povo pela demarcação de sua terra sagrada e pela sobrevivência diária em harmonia com a natureza, priorizando a conservação ambiental. 

Ao longo do documentário, anciãos contam suas experiências e oferecem um olhar sobre a vida antes da chegada da população branca. Suas reflexões abordam o plantio, a colheita, os desafios diários para comprar alimentos e os impasses enfrentados para manter sua cultura e religião viva por meio dos jovens e o resgate de antigas tradições. Segundo relatos, Brasnorte já foi uma grande aldeia palco constante de ataques de seringueiros e colonizadores.  Os Mỹky foram forçados a adentrar a floresta, deixando para trás o seu lugar sagrado, onde viviam da caça e da pesca. A chegada dos colonizadores resultou na devastação da mata e na fuga dos animais. Hoje, de aproximadamente 170 pessoas, apenas três anciãos ainda falam a língua tradicional.

 

O Coletivo Ijã Mytyli de Cinema Manoki e Mỹky 

Segundo Typju, o Coletivo Ijã Mytyli de Cinema Manoki e Mỹky nasceu da necessidade dos povo Manoki e Mỹky de contarem suas próprias histórias a partir de suas perspectivas. Fundado em 2020, o coletivo representa a união entre realizadores Manoki e Mỹky, que, mesmo antes da junção, já realizavam produções em suas comunidades com o apoio de André Lopes.

A jornada cinematográfica entre os Manoki começou em 2009, marcando a retomada do rito de iniciação e a produção do longa “O batizado dos meninos Manoki”. Já entre os Mỹky, o cinema teve início em 2016, por iniciativa de Typju Mỹky, com a retomada do Ãjãí, uma competição divertida entre as duas comunidades, na qual apenas a cabeça dos jogadores pode tocar a bola, inspirando o filme dirigido por Typju e Lopes, “Ãjãí: o jogo de cabeça dos Mỹky e Manoki”, realizado pelo Centro de Estudos Ameríndios da Universidade de São Paulo (CEstA) e pelo LISA.

O coletivo é uma ferramenta de luta e expressão. Por meio das produções e das parcerias desenvolvidas ao longo dos anos, os dois povos podem contar suas versões para a população não-indígena. Os registros são realizados de acordo com os interesses das comunidades, por entenderem que essa ferramenta é mais uma força para difundir o respeito e o conhecimento entre as diferentes culturas, além de preservar saberes e valores para as futuras gerações.

Anfitriões há meio século: a versão Mỹky da história é uma dessas produções que escancara as mazelas e adversidades enfrentadas pelos povos indígenas no Brasil, desde a chegada e o contato com a população branca. Hoje, tanto o povo Mỹky quanto os Manoki lutam pela preservação de suas histórias, do que os fazem existir como comunidade, e pela demarcação de seu território ancestral, essencial para sua sobrevivência harmônica.

A produção teve pré-estreia na 5ª Mostra de Cinema Indígena da CLACPI, em Nova York e no Museu Americano de História Natural, na mostra “Emerging Visual Anthropologist Showcase”, sessão especial do Festival de Cinema Margaret Mead. A estreia aconteceu em 22 de maio, no CineSesc, e 23 de maio, no LISA-USP, contando com a presença dos realizadores e da comitiva de anciãs.

AntropoCena é uma iniciativa do LISA que tem como propósito apresentar para a comunidade a produção audiovisual produzida, essencialmente, por pesquisadores da USP através de sessões e debates com seus realizadores.